Sufjan Stevens – Carrie & Lowell

Sufjan Stevens

“Carrie & Lowell”
Asthmatic Kitty, 2015
19/20

“Isto não é o meu projecto artístico. Isto é a minha vida.”, Carrie & Lowell nas palavras de Sufjan Stevens, o seu último álbum, uma obra esmagadora de rara beleza. E o que dizer de um álbum que soma uma vida? Como se conhece e se ama uma mãe ausente depois da sua morte? Carrie & Lowell com os seus arranjos de guitarras e teclados lo-fi suaves, delicadamente entrelaçados com elementos electrónicos, é curiosamente o álbum menos majestoso em termos musicais do talentoso multi-instrumentista Sufjan Stevens, porque aqui interessam as palavras e essas são de uma força inabalável, um murro no estômago que abraçamos sem medo. Neste conjunto canções de embalar para o sono profundo da morte, perdemos e reencontramos a nossa mãe, e nosso amor é incondicional.

Texto por: Vera Brito

God Is An Astronaut em órbita no Armazém F em Lisboa

God Is An Astronaut

Ontem à noite na porta do Armazém F um astronauta orbitava em torno de fãs e curiosos que iam entrando para ver o regresso dos irlandeses God Is An Astronaut que, após uma noite cheia no Hard Club no Porto, pousavam agora em Lisboa. A primeira parte foi feita pelos lisboetas Katabatic que com os seus instrumentais pesados e progressivos nos deixaram com vontade de os ver mais tempo em palco.

Existe uma teoria (the ancient astronaut theory) que defende que foram “astronautas” extra-terrestres que em tempos muito remotos visitaram a terra e criaram civilizações como verdadeiros deuses. A sonoridade dos GIAA, consagrados do post-rock, tem realmente algo de extra-terrestre no experimentalismo dos seus instrumentais, que ocasionalmente combinados com vocais sintetizados conseguem criar portais para mundos paralelos. Ontem percebeu-se que foram muitos os que cruzaram essas fronteiras, quando à nossa volta vimos várias pessoas de olhos fechados embaladas nas melodias mais doces como “Fragile” ou em transes mais febris como “Worlds in Collision”, que até fez Jamie Dean saltar do palco para se embrenhar no público.

Os GIAA têm uma discografia considerável para uma banda que em 13 anos de existência já editou 7 álbuns e tem novo trabalho a caminho, Helios | Erebus com lançamento marcado para 21 de Junho deste ano. Ontem foram várias as músicas do novo trabalho que nos apresentaram e a primeira que ouvimos foi “Vetus Memoria”, muito bem recebida pelo público e prenúncio que talvez venha por aí um som mais denso e pesado neste Helios | Erebus. Claro que em hora e meia de concerto terão sido muitas as músicas que ficaram de fora numa discografia assim, mas os GIAA conseguiram revisitar quase todos os seus álbuns e não faltou a “The End of the Beginning” do seu primeiro trabalho, “Forever Lost” seguida de “Fireflies and Empty Skies”, ambas de All is Violent, All is Bright, de Origins ouvimos também “The Last March” e “Echoes” do seu homónimo.

Os GIAA têm uma presença simpática e energética em palco, sobretudo Jamie Dean que ontem por duas vezes saltou para o meio do público e só lhe faltou mesmo percorrer aquela estranha escadaria lateral ao palco do Armazém F, que parece feita para ver descer bailarinos de um qualquer cabaret. Sempre muito faladores, Jamie Dean e Torsten Kinsella por várias vezes agradeceram ao público português o apoio dado ao longo destes anos e percebe-se que estão a ser sinceros e que gostam genuinamente de tocar no nosso país. O “fake” encore foi o momento que arrancou mais gargalhadas ao público quando Jamie nos convida a encenarmos a falsa saída de palco da banda, que “regressa” para fechar a noite com “Agneya” e “Suicide by Star”, finalizando com a foto habitual do público para o Facebook dos GIAA onde podemos ler: “We love Lisbon!”. E a julgar pelos aplausos calorosos da despedida parece que “Lisbon loves you too GIAA!”

God Is An Astronaut

 

Ambos os concertos, Porto e Lisboa, foram organizados pela parceria: AmplificasomTurbina.

Texto por: Vera Brito

A ressurreição ou a vida depois da morte dos Death From Above 1979

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Não foi ao terceiro dia, mas sim cinco anos após a sua separação, que os Death From Above 1979 (DFA79) ressuscitaram para um regresso há muito sonhado pelos fãs da banda canadiana fenómeno de Toronto de dance-punk-noise-rock. O documentário Life After Death From Above 1979, estreado em Outubro de 2014 e que passou pela edição deste ano do Indie Lisboa no Cinema São Jorge, é um retrato cru e directo de como a música uniu, separou e reuniu, os amigos de infância Jesse Keleer e Sebastian Grainger, baixista e baterista/vocalista, respectivamente, do duo DFA79, a banda que no início da década dos noughties rasgou a atmosfera musical como um meteorito, que teve tanto de brilho como de fugaz.

São as cenas do motim e do tumulto criado pelo público no concerto surpresa de reunião da banda, no festival SxSW (South by Southwest) de 2011, em Austin no Texas, que dão o mote para o início do documentário e que revelam um pouco do fenómeno que são os DFA79. Em completo descontrolo os fãs derrubam barreiras policiais para tentar ver o impossível, o regresso inesperado da banda aos palcos, num concerto de aquecimento para o mítico festival de música americano Coachella na Califórnia, que se seguiria semanas após e que foi o motivo para o regresso da banda, após cinco anos de separação e de projectos a solo, musicalmente e esteticamente muito diferentes dos DFA79. O baixista Jesse Keleer terá sido o que mais se afastou do som dos DFA79 após a ruptura explorando a sua veia electrónica, juntamente com Al-P, antigo produtor da banda, formou o duo MSTRKRFT (pronunciado como “Master-craft”), banda que encontrou grande sucesso no universo EDM (Electronic Dance Music). E se o caminho da electro house seguido por Jesse desiludiu muitos dos fãs do rock de atitude punk dos DFA79, a coisa não correu muito melhor ao baterista e vocalista Sebastian Grainger que parece ter desaparecido completamente do mapa quando encontrou conforto no indie rock banal do seu álbum a solo Sebastian Grainger & The Mountains.

A separação aconteceu em 2006, apanhando os fãs de surpresa, já que o ano anterior tinha sido de consagração quando os DFA79 eram apelidados pela imprensa musical como the next big thing, após o álbum estreia You’re a Woman, I’m a Machine de 2004, trabalho amplamente elogiado e fresco, o chamado break-up album, porque até os rapazes mais punks e duros têm por vezes o coração partido. Entre 2001 e 2005 deram 546 concertos, estiveram em tour nos Estados Unidos com os gigantes Queens of The Stone Age e os Nine Inch Nails e cruzaram oceanos até à Europa e Ásia, estabelecendo uma curiosa base de fãs no Japão. Começaram como tantas outras bandas, dois amigos que chegados àquela idade em que todos os jovens têm de decidir o seu futuro, escolheram o menos seguro: formar uma banda. O nome surgiu de uma t-shirt com o lema dos pára-quedistas de guerra e o 1979, ano de nascimento de Sebastian, foi mais tarde acrescentado após uma disputa feita de processos litigiosos e insultos na internet, ao bom estilo punk, dirigidos a James Murphy (LCD Soundsystem) cuja editora tinha o mesmo nome.

Death From Above 1979

O que torna os DFA79 tão especiais? Serão as suas actuações ao vivo carregadas de intensidade onde se sente aquela urgência primal do rock? Será a simplicidade de ver dois amigos em cima de um palco com um baixo e uma bateria que nos dão a ilusão de que aquilo está ao alcance de qualquer um de nós? Afinal esta fórmula continua a dar resultados e até já há quem se divida em rivalidades entre os regressados DFA79 e o mais recente fenómeno do Reino Unido os Royal Blood, disputa essa que parece só existir na cabeça dos fãs de uns e outros, já que as suas semelhanças passam talvez por serem ambas bandas constituídas por um baixista e um baterista.

E o que leva afinal estes dois bons amigos a terminar uma relação de anos, logo no momento em que atingem sucesso à escala mundial, algo que tantas bandas ambicionam? Este documentário vem dar essa resposta ao público dos DFA79, com testemunhos de Kurt Ville, de membros dos Justice, Metric, The Strokes, Yeah Yeah Yeahs, que acompanharam o crescimento galopante da banda. É um documentário pessoal, sem filtros e honesto, onde Jesse e Sebastian falam abertamente dos seus medos e inseguranças, enquanto pessoas e artistas, e do seu amadurecimento ao longo dos anos, em que construíram famílias e se aventuraram em diferentes caminhos musicais. E no final temos a sua reunião que, com o perdão das falhas do passado, fez com com que uma das bandas mais incríveis da última década voltasse aos palcos e a um novo álbum editado em 2014 The Physical World, afinal It’s the same old song. Just a different tune.

Trailer:

Documentário: Life After Death From Above 1979
Realização: Eva Michon
Ano: 2014

 

Texto por: Vera Brito

Os Sobreviventes do 25 de Abril no Teatro das Figuras em Faro

Sobreviventes

“Somos os três demasiado novos para saber o que este disco significou quando saiu, por isso talvez nos tenhamos sentido tão à vontade para o assassinar” brincou ontem B Fachada para a plateia parca de gente no Teatro das Figuras em Faro, na celebração dos 41 anos da revolução do 25 de Abril.

O trio composto por B Fachada, Francisca Cortesão (Minta) e João Correia (TAPE JUNk) trouxe-nos o seu projecto Os Sobreviventes “gravado durante o verão na simplicidade do lar, com mais vontade que microfones e um original de 71 como único supervisor”, como puderam ler aqueles que quiseram/puderam trazer consigo o cd disponibilizado para venda à saída do concerto. Editado em 2012, Os Sobreviventes é uma reconstrução feita pelos três do emblemático álbum de estreia de Sérgio Godinho, com o mesmo nome, que em 2012 celebrou 40 anos da sua edição. Este trabalho tem a visão e a estética musical declarada de B Fachada que conseguiu aproximar assim duas eras que, embora separadas entre si em quatro décadas, assumem hoje contornos e semelhanças preocupantes, nestes últimos anos de recessão e crise vividos em Portugal, que nos fazem questionar novamente muitos valores e conceitos de liberdade.

O projecto estreou-se ao vivo no 25 de Abril do ano passado no Lux em Lisboa e este ano a revolução rumou um pouco mais a sul e veio até Faro. Revolução é na verdade uma hipérbole para a noite de ontem. Numa sala praticamente vazia B Fachada e companhia cumpriram o disco Os Sobreviventes do início ao fim num esforço de justificar afinal a noite que se deveria estar ali a celebrar. O próprio ironiza a dada altura quando nos diz: “Feliz 25 de Abril ou é bom 25 de Abril? Nunca sei como se diz.”.

Quem lá esteve sentiu a obrigação de bater palmas por si e por mais 20, numa espécie de vergonha alheia de ver tantos lugares vazios numa noite que merecia casa cheia. O entusiasmo lá se sentiu por vezes e, com a ajuda da boa acústica do teatro, por alguns momentos a noite não nos pareceu tão abandonada. Onde estariam todos afinal? Talvez as celebrações estivessem a acontecer por outras bandas que desconhecêssemos. Talvez o discurso do nosso primeiro ministro pela hora do jantar tivesse causado uma indigestão colectiva que prendeu a maioria em casa. Ou talvez muitos simplesmente  tivessem optado por ficar no conforto do lar a fazer as contas do orçamento que até final do mês não estica para estes luxos culturais e a remoer o 25 de Abril que este 2015 nos lixou com um sábado chuvoso, não bastassem todos aqueles outros feriados idos que já ninguém sabe bem quais eram, só se sabe que foram de férias e não voltaram.

Independentemente dos motivos, ontem dia 25 de Abril de 2015 em Faro, na voz agitadora de B Fachada cantou-se Sérgio Godinho, que já há coisa de quatro décadas com a sua música “Que bom que é” do trabalho Os Sobreviventes nos alertava:

Vivo com uma faca espetada nas costas, ai!

Que bom que é

que bom que é

que bom que é

Sentado à espera de D. Sebastião

A cadeira nem é minha, é do papão

que bom que ele é,

que bom que ele é,

– Um, dois, um-dois-três, paciência, fica pra outra vez

Vivo com a fome entalada na garganta

Que bom que é

que bom que é

que bom que é

Sentado à espera que o céu me dê pão

A cadeira, emprestou-ma o sacristão

que bom que ele é

que bom que ele é

– Um, dois, um-dois-três, paciência, fica pra outra vez

Vivo a trabalhar nove dias por semana

que bom que é

que bom que é

que bom que é

Sentado à espera da revolução

A cadeira, emprestou-ma o meu patrão

que bom que ele é

que bom que ele é

– Um, dois, um-dois-três de Oliveira & quatro

Vivo com uma faca enterrada nas costas, ai!

que bom que é

que bom que é

que bom que é

Sentado à espera de D. Sebastião

a cadeira nem é minha, é do papão

que bom que ele é

que bom que ele é

– Um, dois, um-dois-três, esta agora vai de vez

Texto por: Vera Brito

Russian Circles apoteóticos no RCA Club em Lisboa

Os ventos sopraram fortes de Chicago e trouxeram os Russian Circles de volta ao nosso país para uma noite intensa no RCA Club em Lisboa. 

Pouco passaria das 22h quando os Russian Circles entraram em palco após um curto soundcheck feito pelos próprios e depois de um bom aquecimento que ficou a cargo de Helms Alee, banda que os tem acompanhado ao longo desta tour pela Europa. Não existem sequer microfones no palco e decorridos alguns minutos de concerto já se ouvia a típica voz idiota lá atrás “eu esta sei a letra!”, como se os Russian Circles precisassem de palavras para criar histórias. Histórias essas bem delineadas nos seus álbuns de estúdio que em concerto ganham vida e se cruzam em diferentes momentos.

O trio de Dave Turncrantz (bateria), Brian Cook (baixo) e Mike Sullivan (guitarra) é quanto basta para criar instrumentais complexos que transcendem palavras, paisagens sonoras cheias de texturas e crescendos poderosíssimos que transformam qualquer menino de coro num aficionado de headbanging. Esta equação, bateria + guitarra + baixo, parece simples mas só resulta porque existe talento de sobra em todos os factores. Dave Turncrantz com o seu ar introvertido é o motor e ao início o fumo que cobria a banda numa atmosfera densa, quase nos fez temer que não conseguíssemos apreciar a destreza, precisão e ferocidade com que ataca a bateria. A nossa concentração é total no palco e o nosso olhar divide-se entre os três, nas linhas pesadas do baixo de Brian Cook e na guitarra fluída de Mike Sullivan, ambos constroem com efeitos de pedais várias camadas sonoras que aproximam na perfeição a sua actuação ao vivo do trabalho de estúdio, e que quase nos fazem duvidar se não estará mais alguém a tocar atrás da cortina.

Os Russian Circles estão algures entre o post-rock ou o post-metal, géneros musicais que os próprios recusam como definição absoluta da sua sonoridade, e nesta noite trouxeram-nos músicas dos seus vários trabalhos, a obscura e pesada “Deficit ou a apoteótica “1777“, do seu último álbum Memorial de 2013. Também não faltou “Mlàdek”, talvez a sua música mais conhecida, de Empros de 2011, que é um exemplo perfeito de como os Russian Circles conseguem transições sublimes entre melodias etéreas e sons pujantes que nos atravessam as entranhas.

Importa ainda falar do ambiente que se sentiu nesta noite no RCA Club, quando pensamos nos dias de hoje em que se vive na era dos festivais megalómanos com as suas muitas distracções e miúdas de coroas de flores, onde a ideia de concerto parece ter perdido todo o significado e o que acontece em cima do palco serve muitas vezes apenas como pano de fundo para uma selfie. Quem ainda não desistiu da música, daquela que realmente interessa, sem tretas, dá cada vez mais valor a noites como a que se viveu hoje no RCA, que mesmo não oferecendo as condições sonoras mais ideais, e isso sentiu-se sobretudo na primeira parte nos vocais um pouco abafados do trio Helms Alee, conseguiu criar o ambiente perfeito para receber alguém como os Russian Circles. Dificilmente existirão muitas bandas capazes de conseguir uma ligação tão intensa com o seu público sem dizer sequer uma única palavra desde o momento que entram até que abandonam o palco. A música quando é de outro mundo não precisa de mais nada.

O concerto teve lotação esgotada e foi organizado pela Amplificasom.

Texto por: Vera Brito

Beirut- “Nantes”

São americanos mas a sua música viaja por vários continentes. Desde os sons dos Bálcãs às influências mariachi de Santa Fé no Novo México, Beirut é a banda liderada por Zach Condon, cuja vontade por descobrir novas culturas e idiomas, até já nos deu uma versão encantadora de Leãozinho de Caetano Veloso num português muito seu.

No entanto para hoje escolhi a música Nantes e este vídeo em particular porque me deu a conhecer Beirut, uma das minhas bandas mais queridas, e o incrível projecto La Blogothèque, conhecido pelas suas sessões musicais intimistas em cenários improváveis, os famosos Take Away Shows.

Nantes pertence ao álbum The Flying Club Cup, que foi integralmente filmado pela La Blogothèque Take Away Shows, nas ruas, cafés e edifícios de Brooklyn, Nova York, antes do seu lançamento em 2007. “Come, stay a while, and be taken away“, La Blogothèque.

Texto por Vera Brito

Chet Faker – Love & Feeling (Live Sessions)

Já a pensar na lista de melhores álbuns para 2014, Chet Faker foi das melhores coisas que descobri em 2013 e continua a sê-lo este ano com o álbum Built on Glass que ouvi até à exaustão.
Nicholas James Murphy, seu nome real, tem mel na voz e atitude na barba. Vem de Melbourne cidade australiana que deve ter qualquer coisa especial no ar propícia a gerar talentos sobretudo na música electrónica.
Chet Faker passou este ano por Portugal no festival Alive, com um concerto no palco Heineken a abarrotar, para um público que sabia ao ia, a adivinhar pelos cartazes onde se lia baby, you’re a perfect 10, talvez a música mais esperada por todos, uma versão fantástica da No Diggity dos Blackstreet.
Esta Love & Feeling pertence ainda ao anterior EP Thinking in Textures de 2012 e este vídeo faz parte das Live Sessions gravadas na Austrália rural, que podem ouvir por completo aqui: http://www.clashmusic.com/news/chet-faker-release-free-live-sessions-ep
Texto: Vera Brito

Sam is not Alone

Just a perfect day, Problems all left alone, Weekenders on our own, It’s such fun… Just a perfect day, You made me forget myself, I thought I was, Someone else, someone good…

É Lou Reed com Perfect Day que a meia luz traz Sam Alone & The Gravediggers ao palco do Bafo de Baco em Loulé.

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Aqui não precisam de apresentações e o ar sente-se electrizante. São anos de cumplicidade entre a banda e esta casa que luta por trazer boa música ao Algarve já vão para lá de 20 anos. Mais para o final Sam vai dedicar ao Bafo uma música mas agora começa um concerto de quase 3 horas carregado de emoções, convidados especiais, onde ainda houve tempo para tributos a artistas que explicam muito do percurso de Sam e dos Gravediggers.sam2
Arrancam com a poderosa Warm do seu anterior álbum Youth in the Dark e a voz rasgada com que canta o refrão My heart beats so warm denuncia a noite anterior do concerto no Musicbox em Lisboa. Sam confessa mais tarde que têm estado a dar tudo nestes dias com a apresentação de Tougher Than Leather, mas ninguém repara tal é a intensidade com que se entrega.
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Que pretendem afinal as músicas de Sam Alone & The Gravediggers? Para quem ainda não percebeu Sam pega agora na sua acústica Working Class Rifle e conhecemos Shine do novo álbum: Evil will try to bring you down, hold your ground! You find glory under the big blue sky coz souls like ours were meant to shine!

No final do concerto tive a oportunidade de lhe perguntar por esta sua guitarra e se para si a música era uma arma, respondeu sem hesitar: “Claro que é! Sempre foi… (sorri) por isso escrevi isso na guitarra. É uma afirmação da música que fazemos, para não ter de estar sempre a explicar… (o óbvio)”.
Se os americanos têm o seu working class hero Bruce Springsteen nós temos o Sam Alone que antes de iniciar a No Class nos pergunta: Quem esteve hoje a trabalhar? Esta música é dedicada à minha gente… espero que sejam vocês! Ontem em Lisboa estava muita gente como vocês… é bom ver que há tantos como vocês que não são carneirinhos nem ovelhas…

As músicas folk rock de Sam não instigam um espírito agressivo de revolta, pelo contrário, inspiram-nos a uma luta justa e optimista, aquela que é feita da união e da igualdade, dão-nos vontade de dançar e abraçar o amigo ao nosso lado, aproximam-nos: A única coisa que nos separa é altura do palco! diz-nos.

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E se há momentos para se falar mais a sério, passar uma mensagem, também há aqueles para nos divertirmos e para dançar. Sam diz-nos em tom de brincadeira: Se alguém que não puder comprar o disco porque gastou tudo em bebida ainda bem! Saquem da net, ponham numa pen e dêem à vossa mãe! (a boa disposição está instalada e a cerveja circula)

Sam Alone e os Gravediggers mais do que em casa estão entre amigos, os novos e os de infância que do fundo da sala vão fazendo a festa, aos quais dedica a música nova Another Mile: wish we could live it all again, wish we could run wild again…

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Este concerto está cheio de dedicatórias e a que seguiu foi a mais pessoal, Sam sozinho em palco pede-nos desculpa se falhar uma nota ou duas mas promete dar tudo o que tem e dedica Sacrifice à sua mulher e companheira que juntamente com os Gravediggers o ajudam neste solo cantando do lado do palco.

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Entretanto já ouvimos uma versão bastante rock da Sultains of Swing dos Dire Straits, com um fantástico solo de guitarra de João Ricardo, que Sam interrompe no final e lhe pede para tocar novamente, confessando-nos que o seu sonho era saber fazer este solo.

Falta apresentar os outros talentos dos Gravediggers: Guru na bateria, Roy Duke no baixo e contra-baixo, Ricardo Cabrita nas teclas, Pedro Matos na guitarra rítmica e há ainda espaço para mais convidados, junta-se agora Paulo Machado que os vai acompanhar no acordeão até ao final.

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Será que ainda cabe mais alguém em palco? Chega André Mealha para cantar uma cover da All Along The Watchtower de Bob Dylan seguramente outro dos heróis musicais de Sam e dos Gravediggers.
E como é que se faz uma versão justa a música que já conheceu as mais diferentes interpretações e é aliás conhecida sobretudo pela cover de Jimi Hendrix, que por vezes até se confunde o seu autor original? André Mealha consegue-o e faz uma interpretação brilhante pela honestidade com que canta cada palavra e toca a sua harmónica.

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Mais uma música mais um convidado, aliás convidada, Inês Miranda sobe ao palco para acompanhar a Shadow of a Hero, música em que participa também no novo álbum.

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Entretanto já tanto aconteceu que perdemos um pouco o rumo à setlist, às covers e aos convidados, há agora espaço para o improviso (pelo menos Sam garante-nos que não ensaiaram o que se segue) e Roy Duke traz-nos uma música rockabilly, da sua banda Texabilly Rockets, pondo-nos todos a dançar e a cantar Baby I’m sitting on the top of the world enquanto dedilha o contra-baixo.
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O concerto termina com Tougher Than Leather, single do novo álbum com o mesmo nome, que Sam dedica ao Bafo e à sua gente (que podem ver no vídeo abaixo).
No final salta do palco e abraça os seus amigos enquanto ouvimos Redemption Song pela voz de Johnny Cash, Won’t you help to sing another song of freedom? ‘Cause all I ever have, Redemption songs…

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O Sam não está Alone, com ele cantamos músicas de liberdade, fazemos nossa a sua luta e acreditamos num futuro melhor para todos nós, somos feitos de um material forte… somos tougher than leather.


Texto por Vera Brito / Fotografia por 5th Realm

Shut Up, Savages

Dias chuvosos convidam à reflexão e a música nos seus muitos papéis deve também servir para nos fazer pensar, por isso escolhi a música Shut Up dos Savages, banda post-punk londrina, que passou pela edição do ano passado do Vodafone Mexefest. Shut Up foi o single que trouxe maior visibilidade aos Savages e este poderoso vídeo começa com uma introdução que podemos encontrar na capa do seu disco Silence Yourself e que vale a pena pelo menos pensarmos nas suas palavras:

The world used to be silent
Now it has too many voices
And the noises are constant distraction
They multiply, intensify
They will divert your attention from what’s convenient
And forget to tell you about yourself
We live in an age of many stimulations
If you are focused, you are harder to reach
If you are distracted, you are available
You are distracted, you are available
You want to take part in everything
And everything to be a part of you
Your head is spinning faster at the end of your spine
Until you have no face at all
And yet if the world would shut up, even for a while
Perhaps we will start hearing the distant
And recompose ourselves
Perhaps having deconstructed everything
We should be thinking about putting everything back together
 
Silence yourself!
 

Texto por Vera Brito.

Músico(s)/banda(s) portuguesas que mais vos têm marcado

Confesso que nos dias de hoje estou mais atenta à música portuguesa do que há alguns anos atrás ou talvez esteja agora mais atenta a toda a música em geral, mas acredito que nunca existiram em Portugal tão bons e variados projectos musicais como agora e talvez 40 anos após o 25 de Abril este país viva ainda um despertar cultural.

A música portuguesa acompanhou-me desde cedo, cresci sabendo de cor músicas dos Resistência, Sétima Legião, Ritual Tejo, Rádio Macau e tantos outros, a música Dunas dos GNR é a única que sei acompanhar os acordes numa guitarra, já perdi a conta das vezes que vi ao vivo os Xutos e Pontapés, desde semanas académicas a festas da terra e fiquei triste quando os Silence 4 terminaram mas o seu recente reencontro não me despertou atenção. Estas são bandas impossíveis de dissociar de um determinado período da minha vida, mas que já não ocupam o mesmo espaço na música que oiço nos dias de hoje.
Neste momento sou fã de vários projectos portugueses em distintos géneros musicais e para ser justa vou referir apenas aqueles que primeiro me vieram à cabeça quando pensei neste desafio.
Na música electrónica já não passo sem Moullinex ou Xinobi desde que ouvi o set de ambos para a Boiler Room. O Manel Cruz é dos meus letristas preferidos e tem aquele toque de midas porque não existe projecto seu que não seja singular, como os Pluto, os Supernada ou os eternos Ornatos Violeta, projectos que mesmo que se esgotem em si nos deixam sempre à espera do próximo. Adoro como conseguimos encontrar nas músicas de António Zambujo influências que vão desde os ritmos brasileiros da bossa nova e do samba, passando pela música africana, sem esquecer o cante alentejano e o fado, por onde aliás começou, e o seu espectáculo no Coliseu em Lisboa é um dos que guardo na minha lista de concertos especiais. As músicas de Linda Martini dão-me aquela garra para pegar em dias difíceis e colocá-los a meu favor. Os Dead Combo fazem-me sentir como se tivesse vivido toda a minha vida em Lisboa. Noiserv, We Trust, You Can’t Win Charlie Brown, são artistas que em português ou inglês abriram caminhos que antes pareciam fechados à música portuguesa. Diabo na Cruz ou Deolinda aproximam-me das nossas raízes mais tradicionais mas com um cheiro a novo. E ainda descobertas mais recentes para mim como Bruno Pernadas ou Zorra que são promessas de que este período áureo na música em Portugal está para durar. E a lista poderia continuar…
E tudo isto acontece num país que atravessa tempos difíceis, onde a cultura continua a ser encarada como algo supérfluo e não essencial. Há que portanto louvar aqueles que aos momentos de crise souberam roubar criatividade e encontrar meios para construir a sua arte.
texto por Vera Brito