Em plena segunda-feira, 15, o Casino Lisboa, por volta das 22h, estava entupido de gente. Já não havia mais espaço para sequer tentar passar pelo espaço Arena Live. Às 22h30, era a hora do Buraka Som Sistema entrar em palco e, pelos vistos, ninguém queria perder o último concerto do grupo em 2014. À tarde, na preparação para o que viria a acontecer à noite, MAYRA RUSSO foi ao casino após o ensaio dos Buraka e conversou com o baterista RIOT.
A primeira vez que se apresentaram foi no Clube Mercado, em 2006. Daqui a menos de dois anos farão uma década de Buraka. Têm algum projeto planeado para comemorar esta data?
A vida dos Buraka Som Sistema é sempre muito movimentada. Não só pelo grupo, mas também pelos nossos projetos a solo. Dá-nos mais trabalho pensarmos com tanto tempo de antecedência. Não conseguimos. Mas temos noção que vem aí e que temos que festejar em grande.
A Buraka saiu em um dos jornais mais aclamados do mundo, o New York Times. Como tem sido o feedback dos americanos em relação à vossa música?
Contactámos com o público americano já faz uns anitos. Fomos ao Coachella, a um monte de festivais, não só nos Estados Unidos como também no Canadá. A reação americana, tanto nos EUA quanto no Canadá, é sempre boa. Mas penso que eles conhecem um ou dois sons, e enquanto banda, estão a conhecer a Buraka Som Sistema, agora, um bocadinho melhor.
Ao ver pela segunda vez o vosso documentário reparei que movimentos novos são criados a cada hit para dar um diferencial entre uma nova música e as tantas outras do kuduro. Claramente o kuduro e a dança andam lado a lado. Qual a coreografia, o movimento de uma música de vocês que mais pegou, que o público nos concertos queria imitar?
Olha, não sei. Isso foi, claramente, uma coisa que herdámos do kuduro. Não sou a pessoa indicada para responder isso. Se calhar, a Blaya é capaz de perceber melhor. Eu estou muito preocupado a tocar bateria lá atrás. (risos) Há um movimento básico do dombolo, aquela dança das perninhas do kuduro, acho que é esse o que as pessoas mais tentam fazer.
Outro dia estava a ler um artigo no site da Enchufada que falava sobre o Movimento “Tropical Bass”. Como explicariam esse movimento para quem ainda não o conhece?
Para perceberem essa Global Dance Music ou Tropical Bass Music acho que é tentarem perceber que os jovens de hoje em dia, que fazem música em diferentes partes do mundo, como África, Índia, (pensativo) Nova Iorque, Rio de Janeiro, nos subúrbios, na cidade, em todo lado, todos os jovens que fazem música de dança com influências de seu próprio país acabam por inventar um som novo. Não é bem “world music”, não é tocar conguinhas debaixo de um coqueiro ou uma coisa assim do género, como os avós, e é por isso que as pessoas não lhe chamam de “world music”. Não gostam de comparação. É apenas por isso. Não é que a comparação tenha algo de mal ou que o “world music” tenha algo de mal. É só uma questão de tentar que seja explícito para as pessoas que não vão ouvir o semba ou outro género, vão ouvir uma influência nova, uma mistura de eletrónica com aquilo que eles sempre cresceram, o kuduro. Então Tropical Bass Music acaba por ser com influências desses, nesse caso, sítios mais tropicais, tipo África, Brasil e outros países e continentes do género, que englobem influências do seu país, mas façam música eletrónica. Acaba por ser isso.
Então tem sempre que englobar a música eletrónica?
(pensativo) Ainda não houve ninguém que quebrasse esse estigma, mas se aparecer e funcionar toda a gente vai consumir. O que acontece é que há cada vez mais pessoas interessadas em eletrónica, é um fato. E esse movimento Tropical Bass Music tem se desenvolvido nas discotecas do mundo. Principalmente nas discotecas que tocam música do tipo Buraka, tipo o baile funk (festa típica do funk carioca), tipo tuki (género venezuelano). Não quer dizer que amanhã não apareça uma banda de Tropical Bass Music totalmente acústica.
Músicos e cantores têm tido dois ou mais projetos em pararelo, como é o caso do Fred Ferreira e de vocês mesmos. É para esse lado que a cena musical portuguesa está a caminhar?
Acredito que é para esse lado que a música no mundo está a caminhar. Para quem cresceu nos anos 80 e 90 como eu, em que tínhamos grandes mega bandas, que ainda algumas delas sobreviveram… Acho que isso não vai voltar a acontecer nunca mais. A internet abriu muitas portas e abalou muitos pilares. Trouxeste o exemplo do Fred Ferreira que é um músico que toca com “n” bandas em Portugal e depois ainda tem a Banda do Mar e tocava connosco. Ou seja, eu sou fã do Fred Ferreira. Não sou fã das bandas dele. Sou fã dos projetos que ele escolhe. Cada um que vem é sempre melhor que o outro ou diferente ou mais fresco, e apetece-me logo ouvir as músicas dele. Acho que no futuro, obviamente que vai ter bandas, mas acho que as pessoas vão começar a usar t-shirts de músicos específicos ao invés de bandas. O músico, hoje em dia, tem que ser multitasking.
Então acaba que os outros integrantes da banda, além do vocalista, também vão ter os seus momentos de estrela. Porque, numa banda, o vocalista sempre sobressai.
Sim, espero que isso seja uma tendência a morrer cada vez mais.
É muito injusto com os outros…
Sim, muito injusto. Mas é compreensível porque é a pessoa que está a utilizar o instrumento que toda a gente melhor entende, que é a voz. E acaba por ser quase impossível, é uma luta impossível. Mas acho que num mundo onde nós nos inventámos, na música eletrónica, muitas vezes o vocalista acaba por ser um pouco secundário para Dj set e tocar em discotecas. E aí é que é a vingança do músico, eu acho. (risos)
Em 2014 vocês fizeram uma digressão internacional, lançaram um álbum novo, ganharam um prémio como Melhor Actuação Ao Vivo de um artista nacional e hoje fazem o último concerto do ano. O que este ano representou para o Buraka Som Sistema?
(pensativo) Representou muito trabalho e muita felicidade por termos trabalhado neste álbum e por termos conseguido algo do qual estamos muito orgulhosos. É um álbum que finalmente conseguimos ouvir e indentificar o nosso som. “Isso é afro beat, é kuduro… Não, é Buraka”. E é exatamente por isso que lhe chamámos só de “Buraka”, porque conseguimos encontrar, ao fim de oito anos, o nosso género de fazer música e que é impossível eu fazer sozinho, o Branko fazer sozinho, o Conductor fazer sozinho. Só quando estamos juntos é que isso acontece. Estamos muito orgulhosos dessa fase na nossa vida porque é o culminar dos Buraka Som Sistema no que diz respeito à produção musical. Nós conseguimos fazer música do tipo “ah, isso é mesmo Buraka Som Sistema, não é uma banda qualquer”.
Toda a gente já é capaz de perceber logo que é um som de vocês.
Penso que sim. Por isso é que também de 30 e tal músicas que tínhamos feito, saíram dez. Aquelas dez são as dez perfeitas. Às vezes apetece pôr mais e mais… Mas não. Vão só estas. Depois logo se vê as outras.